Na quarta unidade, mergulharemos na sessão de mediação e conciliação. Nosso objetivo é conhecer o procedimento estruturado da sessão, dissecando cada uma de suas etapas, compreendendo suas finalidades e discutindo a função do mediador e do conciliador em cada uma delas.
Cada uma dessas fases possui técnicas a ela associadas, que identificaremos e com elas trabalharemos, para que, no desempenho do trabalho de mediador e conciliador, você esteja municiado de instrumentos capazes de cumprir os objetivos autocompositivos.
Na condução da sessão, iremos analisar a função do mediador e conciliador de estimular as partes a desenvolver ideias e perspectivas diversas acerca do conflito, bem como analisar as melhores opções, a partir de elementos da realidade. Para cumprir esse objetivo, vamos nos deter nas técnicas para formulação de perguntas, que viabilizem a exposição dos interesses e a reflexão das partes, afastando-as da polarização e dos julgamentos precipitados. Essas perguntas devem ter um enfoque prospectivo, fomentando os envolvidos a sair do “looping” do passado e projetar o futuro.
Caminhando na sessão de mediação e conciliação, vamos examinar as técnicas para que as partes pensem em diversas opções para alcance de solução do conflito, permitindo um “brainstorming” de criatividade e que renda a elas variadas possibilidades de escolha.
A mediação e a conciliação são métodos de solução de conflitos que possuem procedimento próprio, baseado nos princípios e objetivos que lhes são peculiares. Nesse sentido, há etapas – com finalidades delineadas – que seguimos para fins de conduzir uma sessão. Todavia, o procedimento – ou as etapas da mediação e da conciliação – não é uniforme e sua sequência não é estanque. Um mediador ou um conciliador experiente, diante do contexto específico de uma sessão, pode conduzi-la seguindo uma sequência de etapas diferente, assumindo posturas e aplicando técnicas de variadas escolas de mediação. Enfim, com base em referenciais teóricos e técnicos, lastreado em sua experiência, o mediador e o conciliador poderão desenvolver seu estilo próprio de conduzir a sessão. Por isso, costuma-se chamar o processo de mediação e de conciliação de estruturante, ou seja, tem o condão de organizar, de dispor em certa ordem as etapas com vista às finalidades do processo, ainda assim permitem-se adaptações diante do caso concreto.
Na formação inicial do mediador e do conciliador, todavia, se faz importante compreender cada uma das etapas e a ordem de lógica e cronológica delas, para que possa assumir a condução de uma sessão com segurança e, a partir da experiência, desenvolver as competências necessárias e, a partir daí, transitar pelas etapas mais livremente.
Mesmo diante das diversas escolas e das diversas propostas de desenvolvimento de uma sessão de mediação e de conciliação, podemos identificar etapas comuns neste cenário múltiplo, que permitem o alcance do resultado proposto, de forma eficaz e efetiva, com preservação dos princípios basilares da autocomposição.
Destaca-se a importância, incialmente, de o mediador e do conciliador investirem na autopreparação, dedicando-se à compreensão do método e de suas particularidades, refletindo as experiências que tiveram nas sessões anteriores, para ter a segurança necessária para tomar as decisões que sejam essenciais no curso da sessão, diante do contexto apresentado. Afinal, mediar e conciliar não é uma tarefa intuitiva, mas um mister que demanda capacitação, com o desenvolvimento de habilidades bastante específicas.
Nas sessões em comediação ou em coconciliação, ainda, é imprescindível um encontro prévio entre os profissionais para alinhar a condução e planejar o andamento da sessão, buscando harmonia, sintonia e conexão.
Pois bem, a situação de conflito expõe os envolvidos a sensações de tensão, beligerância e desconforto. O ambiente forense, ainda que o espaço em que acontecerá a sessão seja devidamente identificado e disposto e decorado de forma a quebrar o paradigma tradicional da competitividade, costuma agudizar essas sensações. Por isso, é essencial que o mediador ou o conciliador substitua o pregão, por uma acolhida, em que se dirija diretamente às partes e seus advogados, faça uma brevíssima apresentação, convide-as a entrar na sala para o início da sessão. Antes de iniciar a declaração de abertura, importante que se certifiquem de que todos estão bem acomodados, que o ambiente está confortável, trocando amenidades, fazendo as apresentações e questionando como cada um gostaria de ser chamado, de modo a começar a estabelecer o rapport.
A declaração de abertura é etapa essencial e destina-se a informar e esclarecer aos envolvidos e seus advogados sobre como a sessão se desenvolverá, incluindo o tempo que será destinado a ela; quais os princípios que serão observados – conferindo relevância à confidencialidade e suas exceções, imparcialidade dos mediadores e conciliadores, voluntariedade de estar e permanecer na sessão, autonomia da vontade –, expectativas em relação ao comportamento das partes e dos advogados, principalmente ligadas à urbanidade, ao respeito e à escuta ativa, assim como dos mediadores ou conciliadores, esclarecendo que não são juízes e que, além de não proferirem julgamentos, não buscarão a produção de provas e, se for o caso, serão realizadas as sessões privadas.
Esses são alguns pontos essenciais que devem conter uma declaração de abertura, que o mediador ou o conciliador, no curso de seu trabalho, com a ampliação de sua experiência na sala de mediação ou conciliação, vai adaptando, inserindo outras necessidades que passa a identificar e que sejam essenciais, como, por exemplo, o uso do celular na sala ou o uso de intervalos.
Encerrada a declaração, o mediador ou o conciliador verifica se as partes e os advogados compreenderam os termos do que foi dito, se possuem alguma dúvida e, em não possuindo, se concordam, então, em permanecer em mediação ou conciliação, regidos pelas diretrizes expostas.
Em seguida, o mediador ou o conciliador dá início à reunião de informações, oportunizando a fala a cada um dos envolvidos e de seus advogados. Quanto aos advogados, é indispensável explicar quando será sua oportunidade de fala, evitando que ele faça interrupções ou se sinta desprestigiado na sessão, polarizando com o mediador ou com o conciliador desnecessariamente. É preciso, ainda, enunciar um critério objetivo para indicação de quem inicia a exposição. Usualmente, se lança a mão do critério de quem procurou a mediação ou conciliação.
Trata-se de uma etapa em que o mediador ou o conciliador deve manter atenção ao que cada parte está falando, anotando elementos essenciais à compreensão da situação e, com sua postura atenta e focada, estimular, com seu exemplo, a outra parte que está escutando, a exercer, também, a escuta ativa. Na reunião de informações, cada um terá a possibilidade de recontar os fatos, expor seus sentimentos e emoções, as suas necessidades e formular seus pedidos. O mediador ou o conciliador deve, além da postura atenta, zelar para que não haja interrupções, oportunizando a exposição fluida e contínua pela parte.
Muitas vezes, será a primeira vez em que uma parte vai ouvir atentamente a outra, conhecendo sua versão e suas razões, o que é uma abertura à empatia. Para tanto, o mediador ou o conciliador deve se abster de fazer pergunta, no curso da narrativa, que deve ser livre. Normalmente, ao final de cada exposição, para estimular as pessoas a esclarecer pontos confusos ou imprecisos, a falar mais sobre emoções e sentimentos, expor as necessidades com mais assertividade, o mediador ou o conciliador pode fazer perguntas.
Nesse momento, as perguntas têm natureza exploratória, visando esclarecer os já referidos pontos nebulosos e fomentar um discurso mais profundo, que traga à superfície os reais interesses. Não são perguntas que visem à satisfação de alguma curiosidade do mediador ou do conciliador.
Aliás, válido transcrever as advertências de SPENGLER (2016, p. 53), “primeiro, o mediador precisa ouvir, depois perguntar. Em vez de aconselhar, ele deve perguntar”.
De forma a buscar esclarecimentos ou complementação de informações, empregam-se perguntas lineares, que visam trazer à luz informações para aquele que pergunta, para o mediador ou para o conciliador entender bem e precisamente os fatos, mostrando interesse e preocupação na compreensão, permitindo, ainda que indiretamente, que o outro possa ter o quadro completo da situação narrada. São perguntas do tipo: Quando isso aconteceu? Quem estava lá? Quantos filhos vocês tiveram e qual suas idades? Quanto tempo já se relacionam? Onde você estava quando aquilo aconteceu?
Essa investigação pode ir além dos fatos, proporcionando uma breve investigação interna ao mediando ou ao conciliando, fazendo emergir desse mergulho algum sentimento que se perceba que a parte está com dificuldade de exteriorizar ou alguma necessidade que até para ela está confusa. Exemplos são: “Quando você contou que isso aconteceu, como você estava se sentindo? Ou “Como você se sente depois de passar por isso que você contou?” Ou “Quando você fez o que fez, o que você buscava atender, o que você precisava naquele momento?” Ou “Como você vê, hoje, depois de ter contado tudo na frente da outra parte, o que aconteceu?”.
Encerrada a fala de cada um dos participantes, recomenda-se que o mediador ou o conciliador enalteça a disposição em falar e compartilhar sua história, agradecendo.
Na sequência, o mediador ou o conciliador vai demonstrar às partes, bem como a seus advogados, que compreenderam as histórias narradas, elaborando um resumo de tudo que ouviram. O resumo, como etapa do processo de mediação e conciliação, é diferente dos padrões judiciais tradicionais, em que se faz um breve sumário sobre o que um falou, seguindo-se de um outro sobre o que a outra parte falou. Esse formato estimula a competição e a fixação na diferença das versões, contribuindo para a espiral destrutiva.
Ao contrário, buscamos a espiral construtiva, sendo importante que o resumo seja organizado como uma história única, coesa e coerente, destacando aspectos em comum dos discursos, em linguagem neutra, despida de adjetivações ou julgamentos. Assim, há a retomada de tudo que foi dito, permitindo que as partes ouçam suas histórias de um terceiro imparcial, de maneira reenquadrada, certificando-se de que foram ouvidas atentamente, o que gera um cenário mais bem organizado para a continuação dos trabalhos.
O mediador ou o conciliador, reconhecendo que as histórias são dos envolvidos, permite que correções e acréscimos sejam feitos, de forma que os envolvidos se sintam contemplados e reconheçam-se no resumo.
Quando da feitura do resumo, o mediador ou o conciliador deve se ater – ainda que recontextualizando – às informações trazidas pelas partes, abstendo-se de preencher eventuais lacunas ou questões não bem compreendidas, com elementos alheios aos discursos, ainda que se baseiem no que comumente acontece. Para isso que se recomenda a anotação dos dados mais relevantes e o uso de perguntas exploratórias.
De modo a dar eficiência às fases vindouras, recomenda-se que, juntamente com as partes e os advogados, os mediadores ou os conciliadores elaborem uma pauta, com as questões, sobre as quais o debate serão imprescindíveis no curso da sessão.
Nessa fase da mediação e da conciliação, normalmente, emprega-se uma ferramenta bastante importante que é a sessão privada ou sessão individual ou caucus. Depois de as histórias serem compartilhadas na presença de todos, o mediador ou o conciliador convida cada um dos mediandos ou conciliandos, com seus respectivos advogados, a permanecer na sala e, individualmente, conversarem com o mediador ou conciliador. De modo a manter o equilíbrio, o que se orienta é que a primeira sessão seja feita com a pessoa que falou por último, invertendo a ordem de falas da reunião de informações. É de se tomar cuidado com o tempo de cada sessão, zelando o mediador ou o conciliador para que cada uma das partes tenha aproximadamente o mesmo tempo de sessão individual.
Esse é um momento mais próximo com uma das partes, em que o mediador ou o conciliador pode arriscar mais o emprego de ferramentas e técnicas, para explorar os interesses, oportunizando uma mais profunda reflexão, sem a preocupação de que a outra parte está ouvindo.
Em cada sessão, é garantida a confidencialidade, logo na abertura, permitindo que a parte fique, realmente, mais à vontade para trazer questões, interesses e sentimentos ainda não aflorados, por força de eventual constrangimento ou insegurança pela presença do outro. Também na sessão privada, a parte estará mais aberta para emprego de ferramentas como a inversão de papeis e o teste de realidade, assim como os mediadores e conciliadores terão mais tranquilidade em aplicá-las.
O teste de realidade é uma ferramenta importante e permite que a pessoas tracem um paralelo entre o que construiu em seu interior e a realidade do mundo exterior. As situações de conflitos, intensificadas pelas emoções, muitas vezes deixam as pessoas presas em suas perspectivas subjetivas, não abrindo espaço para visualização do mundo para além desse construto psicológico. E, para as pessoas, a realidade exterior é só mais um dado, muitas vezes pouco importante. Afinal, o real é a forma como ela percebe essa realidade, o que deve ser respeitado pelo mediador ou conciliador. É nesse contexto que se insere a ferramenta, em que o mediador ou conciliador desafiará as concepções do mundo interno, trazendo um dado, por meio de uma pergunta ou da descrição de uma situação, de fora desse mundo. Para evitar que haja algum mal-entendido nas intenções do mediador ou conciliador e a percepção da parte, importante anunciar que uma técnica será aplicada, nominando-a e explicando o que virá a seguir, esclarecendo que também aplicará o teste com a outra parte.
Ao final de cada sessão, o mediador ou o conciliador pergunta, na forma negativa, se há algo que foi dito que a parte não queira que seja dito para a outra, o que deve ser absolutamente respeitado.
Encerradas as sessões privadas, nesse ponto da mediação ou da conciliação, as partes já estarão aptas a dialogar e já trouxeram, ainda que implicitamente, propostas, que serão debatidas em conjunto. O mediador ou o conciliador vai estimulá-las, então, a conversarem diretamente uma com a outra, mantendo-se, como declarado na abertura, a urbanidade e o respeito. Portanto, essa etapa é de verdadeiro “brainstorming”, estimulando às partes a gerarem opções, a exercerem a criatividade.
Ao mediador e ao conciliador incumbe usar perguntas mais abertas, sempre enfocando o futuro, buscando levar as partes a pensar em como o relacionamento ficará daqui para frente, a partir da mediação ou da conciliação, desprendendo-se do “looping” do passado, ou seja, do reviver e do repisar os dramas do conflito. Por exemplo: “Como você vê essa situação se resolvendo?” Ou “O que você precisa para ter essa necessidade satisfeita?”; Ou “Há outros meios de atender o que você gostaria?”; Ou “Vamos pensar juntos em opções para que acomodemos os interesses de vocês?”.
Muitas vezes, nos debates, as partes estão fazendo propostas e nem mesmo percebem, ao que chamamos de “propostas implícitas”. Nesses casos, em assim percebendo, usando do reenquadramento, o mediador ou o conciliador pode buscar explicitar para a parte, consultando-a se não seria uma proposta o que ela acabou de dizer.
Além disso, o mediador ou o conciliador vão trabalhar com as partes o teste do quanto forem acordando sobre o futuro do relacionamento entre si. A cada passo da construção da solução, o mediador ou o conciliador estimulará as partes a refletirem sobre o que estão acordando, se entenderam e se os termos do acordo são adequados às suas realidades e, portanto, se são exequíveis. É essencial que as partes tenham exata compreensão desse novo standard em suas vidas, como ele vai funcionar, regulando as expectativas de cada um, de um com o outro e de todos com o acordo.
Estando as partes e seus advogados em acordo quanto à solução do conflito e o futuro das relações, além de devidamente esclarecidas, é importante atenção do mediador ou do conciliador em redigir a ata de acordo, pormenorizando os termos, retratando fielmente a vontade dos envolvidos. A redação da ata é um momento significativo, em que todo o trabalho é formalizado e, com a assinatura, as partes passam a uma nova forma de se relacionar.
Importante usar verbos que indiquem, expressamente, o que cada um vai fazer para que os termos do acordo sejam implementados, indicando tempo (quando) e o lugar (onde), além de demais circunstâncias que permitam delinear com precisão as ações acordadas. Para tanto, a linguagem deve ser simples, acessível aos envolvidos, direta e objetiva. Preferencialmente, recomenda-se até o emprego de palavras e termos que as próprias partes usaram no curso dos trabalhos.
O mediador ou o conciliador, ao final, entrega cópias das atas e agradece a dedicação, enaltece o empenho e mantém as portas da sala de mediação e conciliação sempre abertas para futuras necessidades.
Mesmo quando as partes, com seus advogados, não atinjam o acordo, é preciso encerrar a sessão, formalizando o termo, indicando que não chegaram a um acordo, e, ainda assim, enaltecendo os esforços
A Apostila desta unidade trará importantes aprofundamentos sobre o tema das etapas e das técnicas da mediação. Não deixe de fazer a sua leitura!.
Referências
BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Coleção Saberes do Direito, 53.
LAGRASTA, Valéria F. BACELLAR, Roberto P. (Coords.) Conciliação e mediação - ensino em construção. São Paulo, IPAM/ENFAM, 2016.
SLAIKEU, Karl. No final das contas: um manual prático para a mediação de conflitos. Brasília: Brasília Jurídica, 2002.
SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação de conflitos: da teoria à prática. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016.